Thursday 18 June 2015

Ambas natureza e técnica são para o homem

Foto de uma banana selvagem


O mais burlesco de algumas pessoas de religião secular, ou do movimento da Nova Era, na tentativa de naturalizar o homem, é quando é quando elas alegam ao morder uma banana e descascar uma laranja (apesar de usarem faca), que a casca é uma "embalagem natural", então agradecem escrupulosamente a natureza por ter sempre sido farta, ao enaltecer a ideia do "Um" com a natureza o velho mito do bom-selvagem: o de não tirar nada além do que consome, porque, para eles, a natureza já é suficientemente boa, bela e abundante.

Eles se veem integrados a esse ciclo natural de renovação da cadeia alimentar - como se fossem mais um animal - no entanto, poucos sabem que a banana sem sementes, doce, carnuda e simples de descascar, é produto da técnica humana; ou seja, da seleção artificial criteriosa ao longo de gerações desde a pré-história; dessa mesma forma, também são as demais frutas tal como as conhecemos e consumimos; sendo que jamais existem na natureza como frutas silvestres para serem apanhadas. É evidente que o mesmo serve para a faca que as descascam (ao menos sendo isso óbvio a todo homem).

Por um viés material-dialético, o homem não é nada sem mexer, bulir, revirar a natureza e, tampouco alguma vez abandonou a pretensão de estar além do animal ao nu e ao cru. Com efeito, a natureza sempre pareceu escassa de alguma maneira a ele, justamente daí que vem a intenção de acrescentar "algo". Só o homem é capaz de produzir fogo e dormir suspenso no ar, longe de sanguessugas e insetos hematófagos nos pântanos; e do mesmo modo, produzir átomos de elementos que jamais existiriam na natureza disponível; que é mais uma maneira de usar o fogo.

Enquanto a natureza continuar escassa à vontade humana, o homem vai permanecer criativo fazendo o que sabe fazer de melhor: "alterá-la; e é com a força do trabalho que o homem empenha-se para alterá-la; digamos que é o mais básico em toda a finalidade material da vida humana. Por mais que no fundo a alteração e a transformação se permita somente em certo sentido estrito, mais precisamente, de forma implosiva e interna 
à consciência do homem. Isto é, uma transformação pertencente a uma realidade simbólica própria do que é viver, ao passo que essa permitiria ao homem somente existir "per se" para ele mesmo e não para outra realidade; por exemplo: o que é tudo aquilo que simboliza uma "casa"; uma "faca"; uma "fogueira"; o "martelo"; o "arado" para este homem; enquanto que a natureza, também "per se", fora dessa realidade simbólica humana, jamais mudaria de forma veras, ou, alguma vez, poderia essa ser reduzida ao conhecimento humano, sem estar disposta enfaticamente a apenas sua representação misteriosa e emblemática; urgindo-se de forma distinta de todos os objetos da técnica, destarte, inadiável e atemporal.

Como Emerson a entende em seu ensaio de mesmo nome chamado "Natureza"; assim ele diz: "Natureza, em seu sentido comum, refere-se as essências não modificadas pelo homem: o espaço, o ar, o rio, a folha". Por outro lado, ele define a "arte", ou se preferir, "técnica", em algo que vejo como a representação, isto é, a imagem do objeto (natureza) pela mesma via que essa imagem é a realização do espírito do humano: "Arte se aplica à mescla da vontade do homem com essas mesmas coisas, como se dá em uma casa, um canal, uma estátua, um quadro". Dado que, Emerson repreende a definição de natureza com um "porém": "tomadas em conjunto as operações do homem são tão insignificantes - mera escavação, cozimento, arrumação, lavagem - que, comparadas a impressão grandiosa que o mundo deixa na mente humana, em nada alteram o produto".

Assim, é possível interpretar e averiguar que a diferença fundamental da natureza e do homem é que, enquanto a primeira, a saber o objeto, se encontra determinado substancialmente na realidade; o segundo (o homem) se permite a acontecer num dasein (ser aí); isto é: estar presente - tal que é o existir da maneira mais profunda no que Heidegger assente por existência: tanto pela via da mudança quanto pela via da não mudança, ou da via do ser e da falta dele, da via da substância e da contingência, da mente e do corpo, do natural e do sintético, ou mesmo da via do indeterminado enquanto determinado, o homem sendo o que existe pelo ser posto unicamente no presente.

E o trabalho humano, apesar de um ciclo de transformação, e parecendo querer ser uma corrupção do que já é determinado no mundo natural, é um processo elementar, eu diria, além de água, fogo, terra e ar, como os alquimistas disporiam: o "quinto elemento" ou a 
quintessência, pela busca de vir a ser do homem, a manipulação de todos os demais elementos. Talvez, todo esse ensaio, foi da justa pretensão em dizer que a natureza é mais doada para o homem, do que a essência do homem é para ela, dessa forma, estando ele sujeito a sua própria história, conjuntamente à técnica. O homem se doa para si mesmo e não para a natureza, que ultrapassa seu semblante temporal; sendo que no tempo ele consegue se fazer como eixo central da realidade representativa; essa que é a sua mesma.

Por Marcelo Monteiro

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